quinta-feira, 27 de julho de 2017

Circuito no Sul de Itália - 14 a 19 de julho de 2017

Liliana Costa e Tiago Grilo

Dia 1 (sexta)


I - Atrasos


1. Embarque 


  O dia de embarcar numa viagem é sempre diferente, as coisas estão planeadas ao minuto para tudo correr sem espinhas, para a escova de dentes não ficar esquecida e especialmente para se conseguir comer qualquer coisa antes de sair, já que o voo era low cost e não havia sandochas para ninguém. Táxi à porta às 12:30h para um voo que saía às 13:45h pareceu adequado. E até era, não fosse o voo ter sido adiado para as 16:20h. Depois de 3 horas a analisar tudo o que o Terminal 2 tem para analisar (muito pouco) e de ver atentamente e um por um todos os produtos da Ale-Hop, lá entrámos na avioneta. Nas escadas notámos que 3 funcionários tentavam, à vez, desentupir o esgoto da casa de banho do avião com as mãos, com cara de nojo e dificuldades em soltar de lá o tarolo que entupiu aquilo. Resultado: mais uma bela meia hora até conseguirem soltar o que alguém para lá enviou com inquestionável esforço e dedicação.

2. Chegada a Nápoles


  Como se não chegasse aterrarmos já de noite, ao chegar ao stand para levantar o carro alugado, passa-nos em velocidade supersónica um francês e família, que ficou à nossa frente na fila, e tinha feito reserva com um cartão de débito em vez de crédito. Mais meia hora de espera, entre chamarem o gerente e se gerar uma discussão sobre o crébito e o drébito e quando saímos com o carro já eram 22h. Depois de pagarmos para sair do aeroporto (!) por uma espécie de autoestrada metemos no GPS a morada de um tasco chamado Bar Nilo, para ver o altar dedicado ao Maradona:


...coisa que não conseguimos, pelo que tive de ir buscar esta imagem à Internet.

Primeiro, chegar lá foi um desatino, porque em Nápoles a iluminação das ruas parece ser feita por candeeiros a óleo, e as regras de trânsito são formalidades amavelmente dispensadas por todos. Mas demos com a morada, e até encontrámos um lugar para estacionar, coisa rara na cidade.

Tão rara que, prontamente vem ter ao carro um tipo com um simpático ar de assassino a mando da Camorra a dizer que não podíamos estacionar ali. Mas podíamos, eu descobri foi um lugar em que ninguém tinha reparado, usando os meus skills de estacionar em Lisboa para fabricar um lugar em Nápoles. Ele simplesmente achou o meu lugar fixe para estacionar lá outro carro qualquer para ganhar uns trocos e mandou-me sair. Como o ar dele era o de quem a qualquer momento me podia espetar uma naifada, enervado que estava por eu não saber falar italiano: "quando parlas no te capisco", respondi-lhe "opá, eu é que não te capisco a ti", fechei a porta e arrancámos com todo o poder que um Toyota Aygo não tem, a caminho do hotel.

II - Fome, cansaço e sua resolução


1. O meu reino por uma pizza


  Como a fome apertava e a única refeição do dia tinha sido um pequeno almoço (sem hífen) em Lisboa, íamos pela estrada já com a co-piloto Liliana sem bateria e a falhar saídas, coisa que acabou por culminar na entrada no primeiro restaurante aberto que apareceu, em Angri, já bem depois da saída para Scafati, onde ficava o hotel. Mas eis que aqui a viagem começa a correr bem melhor: na Pizzeria Al Mulino, já o pessoal descansava e jantava, aí pelas 23h, numa pequena esplanada com 3 mesas quando vêm chegar um casal com ar de quem já comia na boa os restos que eles tivessem para dar às galinhas. Mas não fizeram por menos: tudo de volta para a cozinha para nos preparar a melhor pizza de sempre, no forno a lenha ainda quente, acompanhada por croquetes (arancini e outros) e por um vinho branco angriolino. A converseta na esplanada foi dar, claro, ao Cristiano Ronaldo e ao São Diego Maradona. Será São Ronaldo um dia santificado assim em Madrid?



2. Direita ou esquerda?


  A saída da autoestrada foi a errada, mas não ficámos longe da localidade do hotel. A morada que colocámos não era muito precisa, pelo que na avenida principal parámos junto a uma avó e neta, para pedir indicações. Em italiano - que ninguém fala inglês naquela zona de Itália - a miúda lá nos safou, dizendo que seria à direita, logo que encontrássemos à esquerda um restaurante com o mesmo nome. Esquerda, direita, disse ela. Eu, para dizer que sim, tinha compreendido perfeitamente, disse com toda a pujança e toda a cagança: "Si, si... destra e finestra! Grazie mille!". Só quando fechei o vidro é que me apercebi que tinha dito "Sim, sim... direita e janela! Muito obrigado!". Mas lá chegámos.

Dia 2 (sábado)


1. A viagem


  Depois de uns mergulhos na piscina, toca a enfiar tudo dentro do carro e rumar a Sul, que ainda tínhamos quase 300 km pela frente. A saída de Scafati faz lembrar as antigas estradas locais das zonas de praia portuguesas: muita bóia e barqueta insuflável havia naquela recta... Enfim, siga pela autoestrada, a evitar acidentes uns atrás dos outros, a perder belas fotos da costa amalfitana por causa disso mesmo e, chegada a hora de almoço decidi não arriscar a comer fora de horas outra vez. Ao meio dia começo a procurar placas com indicação de sítios a visitar, e vi uma a dizer Lago Negro. Bom começo. 

Saímos para ver o tal do lago, para depois percebermos que era só o nome da cidade... Mas uma placa apontava para um lago Sirino. Fixe, bora lá. Caminho de serra, curva e contra curva e nada de lago. Mas uma outra placa apontava para um agroturismo, e a minha barriga decidiu segui-la. Chegámos passava pouco do meio dia, e a cozinha abria às 13h. Agradecemos e saímos, apesar de ter ficado atravessada aquela refeição feita exclusivamente com produtos da quinta, queijo ricota incluído.

Acabámos por dar com o lago Sirino, a passar-nos na janela a 100 à hora, quando já íamos na autoestrada.  Mas desta vez a má sorte não ia levar a melhor, e voltámos para trás (o que implicou uma boa meia hora de atraso) para almoçar por lá.


 O lago, em lugar de peixes, tinha pequenas baleias, disfarçadas de taínhas ou lá o que era, mas com mais de 5 kg cada. Vá, baleias é exagero, mas eram do tamanho daqueles golden retrievers da Dodot:


2. O casório


  Com meia hora perdida depois de almoçarmos um carpaccio e uma massa com trufas pretas bem enjoativa, lá fomos a arrotar pelas curvas e depois pela autoestrada e depois pelas curvas outra vez até Rossano. A vila não desiludiu aquela ideia romântica de um casamento no Sul de Itália.


  Claro que depois de virmos a abrir a todo o gás por estradas locais, e de me achar em cuecas no meio da vila, a tirar os calções para vestir a fatiota do casamento, percebemos que fomos os primeiros a chegar. Meia hora mais cedo. Mas os italianos são estrategas, e a genial colocação de um tasco mesmo em frente à igreja resolveu o assunto:



  
  O noivo entretanto chega na sua Vespa PX (comecei logo a simpatizar com o moço) e os restantes convidados foram compondo a praça. Não vou entrar em detalhes sobre a cerimónia, que isto não é o noivas.pt, mas é muito parecido com o que fazemos por cá, apenas com mais calor dentro da igreja e sem pessoas cá fora, fartas de ouvir o padre. Eu bem que queria sair, mas ia ficar sozinho no tasco e parecer o bêbado da vila, só que com aquele estilo todo que viram lá em cima. 

3. A festa


  A boda (adoro este nome e na minha cabeça continuo sempre a frase que faz a rima) foi a uns 30km, num hotel de praia, onde esperámos uma hora pelos noivos. Porquê? O Fiat clássico onde iam avariou e começou a deitar fumo pelo caminho. Onde é que isto já se viu... um Fiat a avariar? 


   Os noivos lá chegaram, de boleia, para um jantar que acabou com toda a gente a fazer a filinha do Apita o Comboio, mas sem o Apita o Comboio, porque eles não conhecem o Quim Barreiros e o Gianni Morandi ainda não inventou nada parecido. Seguiu a festa para a praia, entre mergulhos com a água quente e a vodka fresca, até ser de madrugada e termos que ir para o quarto descansá-la.

Dia 3 (domingo)


1. Sono


  Acordar às 08:00h com o barulho da criançada do quarto ao lado quando nos deitámos às 04:00h não é fixe, mas serve para aproveitar para tomar o pequeno almoço de óculos de sol dentro de casa e seguir viagem. Ficou decidido pelo caminho que um dia destes iríamos ver um concerto de Arcade Fire, de que não sou fã, mas a Liliana afirma que "é muito bom, não pode é haver espanhóis".

2. Grand Hotel Casseta e Planeta


  O hotel Pianeta, em Maratea é um daqueles complexos que ficou parado no tempo, mas num tempo altamente. Nos quartos tudo é branco e se fosse em cor de rosa, podia ser o chalet da Barbie, mas aquela mistura de Mattel com James Bond dos anos 70, e uma vista do caraças resulta num sítio bem fixe.

 


O único defeito que o local tem é que ao entrar no elevador, passamos à twilight zone, porque nos dizem que o quarto é no 5.º andar (era o 501), mas quando entramos no piso 0 e se fecha a porta, de repente estamos no 3.º e tudo é confuso, porque o papel que indica o que há em cada andar está estruturado por pessoal da cientologia, com a ordem 5, 4, 1, 3, 0 ou coisa parecida. Pensámos que o elevador ia abrir no quartinho do John Malkovich, mas afinal não. 

3. Dormir na praia


  A ideia era descansar e como hotel tinha uma mini praia privada, longe mas com shuttle (tudo incluído no preço bastante porreiro do quarto) fomos para lá dormir na espreguiçadeira.


Acordámos, e depois de ligar a pedir para nos deixarem ficar mais uma horinha, demos uns mergulhos para acordar e fomos jantar para o quarto: uma pizza comprada a 5 € num café ao lado acompanhada de uma garrafa de vinho que andava no carro e que pusemos no mini-bar a refrescar.

Ficou apenas por definir qual o nome daquele Cristo Rei feminino ali em baixo. Eu gostava de Assunção Crista, mas a Liliana preferia Bicha do Demónio e não houve quórum.


Dia 4 (segunda)


1. Costa Amalfitana


  Saímos cedo, na direção de Sapri, com o depósito quase vazio. Chegados lá, atestei na primeira bomba de gasolina que vi, a 1,70€ por litro. Daí a 5 km havia gasolina a 1,50€ (perdi uns 10€) que é para aprender que andar com o carro na reserva não compensa. Mas ao menos na costa amalfitana o estacionamento era barato: apenas 3,50€ por hora! Não aproveitámos estes magníficos saldos de aparcamento em Cetara, mas assim que chegámos a Maiori para almoçar neste quiosque, pumba, foi ver 700 paus em moeda antiga a ir pela maquineta abaixo. O que valeu foi que a comida e a vista eram boas, e pagámos pouco.


A costa amalfitana é cheia de locais paradisíacos e de poucos locais para estacionar. O ideal é irem de mota, se puderem. Podem estacionar mais facilmente e irem às praias sem largarem um mealheiro inteiro para dentro dos parquímetros.


2. Fogo, pá...


  Era suposto fazermos a estrada para Positano, mas estava cortada por causa de um incêndio. A Liliana, como tinha sido mordida por um mosquito num pé (não era uma melga, era um mosquito, diz ela) e nunca saía do carro, ia dizendo "eu vejo daqui" ou "não é assim tão fixe que me faça sair do carro" ou ainda "disso também temos lá em Portugal". Parámos para encontrar qualquer coisa para acalmar a melga da Liliana.


Devido ao fogo, para chegar ao nosso destino tivemos de atravessar a península pela montanha, o que acabou por nos fazer chegar mais cedo do que o esperado a Castellamare di Stabia, em cujas praias da treta este menino amandou uma mergulhaça, por vias do calor. À noite fomos jantar a uma pizzaria perto do porto e encontrámos um lugar altamente para estacionar, bem pertinho.


Tão perto e tão fácil, que depois do jantar, quando fomos buscar o carro, constatámos que estava fechado a correntes e cadeado num parque que por sinal era privado, lá da capitania ou o que era, e só abria no dia seguinte de manhã. Nada que uma toalha de praia a envolver a corrente e muito desenrascanço tuga não resolvessem. Saída limpa. E à borla.


Dia 5 (terça)


1. Pompeia é fixe, mas tanto também não


  A frase que resumiu Pompeia foi "epá, ruína, ma non tropo". É daqueles sítios tão grandes e tão cheios de pontos de interesse, que começámos por admirar cada calhauzito com atenção e acabámos, depois de 3 horas a andar, a cagar de alto para palácios de 3 andares impecavelmente cristalizados no tempo. É assim a vida. Há calhaus com mais sorte do que outros. No meio disso ainda fizemos um concurso, perto do Lupanar (casa de prostitutas) para procurar um dos "das Caldas", que estaria no chão a indicar a direção:


Foi a primeira vez que andei pelas ruas em busca de pilas. Não tivemos sucesso, mas a Liliana afiançou que o tio dela encontrou muitas. Há mesmo pessoas que nascem com um dom.

2. Subida ao Vesúvio


  Este ponto não devia ter este título, porque não subimos. Mas tentámos, e isso também conta. Fizemos o caminho todo até começar a subir, mas a passagem estava interdita, mais uma vez por causa dos incêndios. Fomos mais cedo para Nápoles, reviver as maravilhas de conduzir numa cidade onde a lógica e o bom senso são expressões de que nunca ninguém ouviu falar.

3. Nápoles 


  Estamos numa cidade grande, com montes de locais distantes uns dos outros para ver e com um belo carro alugado até às 23.00h. O que fazemos? Isso mesmo, entregamos a viatura o mais cedo possível, tipo 4 da tarde, para nunca mais na vida termos de conduzir em Nápoles. Só para chegar ao aeroporto foi um desatino, o GPS mandou-nos para a Alfama lá deles, por ruas estreitas e duvidosas. Um senhor numa Vespa perguntou-nos para onde queríamos ir, e foi à nossa frente a indicar o caminho e a ajudar-nos com as razias à casas e aos carros. No fim não aceitou uma moeda de 2 euros que lhe íamos dar, mas aceitou um terço que me tinham dado no casamento.
O trânsito é péssimo, mas o pessoal de Nápoles é impecável. Nunca vi ninguém chateado no trânsito, apesar de isto ser o normal:

- Só há 3 faixas e queres ultrapassar? Inventa a tua própria quarta faixa imaginária e segue.

- Vais na tua scooter e queres virar à direita num cruzamento? Ultrapassa primeiro pela esquerda o carro que está a fazer pisca também para a esquerda e acredita. Sê feliz.

- Queres ir para a faixa do lado, mas estão lá carros? Abalroa-os, que eles chegam-se para a outra faixa e abalroam outros. Cabemos todos.

- O semáforo está vermelho? Se fores de carro, avança devagarinho. Se fores de mota, nem afrouxes, porque a tua scooter vem de origem com um escudo protector à volta.

O mais estranho disto tudo é que não vimos um único acidente durante a viagem. Mas pronto, assim que entreguei o carro, saiu de cima de mim um peso descomunal, e apanhámos um autocarro para o centro da cidade. A pé, Nápoles é bem mais fixe:

 


 

Dia 6 (quarta)


1. Pequeno almoço e siga


Na noite anterior, a rapariga do pequeno hotel onde ficámos disse-nos que podíamos tomar o pequeno-almoço às 7h (tínhamos de apanhar o avião bem cedo) apesar de normalmente ser das 8h às 10h. Muito fixe, não fosse ela às 7h estar a dormir e eu ter que a acordar para o check-out. Mas lá enfiámos umas bolachas, um sumo e um café pelo bucho e voltámos para Lisboa. Diretos ao Zé dos Cornos para uma refeição portuguesa, que pizza e massa é muito bom, mas não é uma pianola na brasa feita por quem sabe...